Atualizado 16h50min do dia 28 de setembro de 2021.
Por Maristela Zamoner
O artigo que descreve Arzecla straelena (link ao final) usa apenas um exemplar para a descrição, um macho coletado na Colômbia, e cita que os machos de Arzecla calatia não são conhecidos. Arzecla calatia tem uma distribuição capaz de abranger a Colômbia, e foi registrada viva em Curitiba.
Lembrando, teoricamente em 2019 e 2021 ocorreram registros de Arzecla straelena em Curitiba, o primeiro deles reconhecido pelo descritor da espécie que considerou uma possibilidade de sua distribuição ser mais ampla do que imaginado inicialmente. O primeiro registro de Arzecla straelena viva em Curitiba ocorreu um ano e pouco antes do primeiro registro de Arzecla calatia.
O caractere diferencial de Arzecla calatia citado do artigo que descreve Arzecla straelena, seria uma marca amarela vívida submarginal nas asas anteriores e posteriores, que é o local próximo das bordas das asas, como você pode ver na fotografia. Mesmo havendo apenas fêmeas conhecidas, este foi o caractere considerado e aceito como diferencial de toda a espécie pelos especialistas.
Arzecla calatia, confira os dados deste registro AQUI.
A espécie considerada no artigo como mais próxima de Arzecla straelena é Arzecla taminella.
Arzecla taminella, confira dos dados do registro AQUI.
E as diferenças entre elas, apontadas no artigo, visíveis em nossos registros de campo, são uma área submarginal (próxima a borda da asa) com uma padronagem em Arzecla taminella, que não existe em Arzecla straelena.
Fotografias e composição: Maristela Zamoner.
Reforçando. Machos de Arzecla calatia são desconhecidos.
E fêmeas de Arzecla straelena são desconhecidas.
Fotografias e composição: Maristela Zamoner.
A surpresa que faz refletir, aparece quando cometemos o atrevimento de ousar pensar na possibilidade de erro, mesmo cientes da falibilidade da ciência. E... comparamos mais parcimoniosamente nosso próprio registro de Arzecla straelena (identificado por seu descritor a partir de um único macho) com nossos próprios registros de Arzecla calatia (fêmeas?), e notamos que a única diferença parece ser a marca amarela que é usada para caracterizar Arzecla calatia como espécie, entretanto, a partir apenas do conhecimento das fêmeas.
Fotografias e composição: Maristela Zamoner.
Notemos que a espécie considerada mais próxima de Arzecla straelena por seus descritores, foi Arzecla taminella. Mas pelas imagens, Arzecla straelena guarda mais semelhanças com Arzecla calatia.
Fotografias e composição: Maristela Zamoner.
A ausência de dimorfismo destacado entre outras espécies do grupo parece ter sido um fator inibidor para se admitir a possibilidade de Arzecla straelena não existir, se tratar apenas de um macho de Arzecla calatia com dimorfismo. Isto faz lembrar Heliconius nattereri.
A questão que fica é: seria o único exemplar usado para descrever a Arzecla straelena um macho de Arzecla calatia?
Infelizmente as coleções científicas não estão democratizadas, em favor da inclusão científica, para que os cientistas cidadãos, e parte dos próprios cientistas profissionais, possam verificar com autonomia os exemplares coletados no passado, ou mesmo recentemente. Será que alguma coleção brasileira guarda um macho de Arzecla calatia que desconhecemos, e sua morfologia seria equivalente a de Arzecla straelena? Não sabemos. As coleções são, em sua maioria, públicas, mantidas por todos nós. Mas o acesso livre aos seus conteúdos, ainda não é para todos nós.
Felizmente a ciência cidadã avança democratizando conhecimento, mantendo uma conduta inclusiva, liberta de preconceitos. E ela nos fornece subsídios, neste caso, para revelar que há enorme variação da marca amarela submarginal que caracterizaria a espécie Arzecla calatia, entre os indivíduos fotografados vivos pelos cientistas cidadãos da Grande Curitiba.
Fotografias de Roberto Cyrino e Maristela Zamoner em composição da última.
A partir de agora, acredito que seja momento de nos unirmos, todos, em favor do possível para desvendar o caso até o fim. Este certamente não é o último capítulo desta novela.
Então, como cientistas cidadãos, precisamos muita atenção em nossos registros deste grupo. Atenção a tudo, alimentação, comportamentos diversos, principalmente rituais e cópulas, possíveis fases jovens, oviposições, plantas hospedeiras entre outros aspectos.
Quanto aos cientistas profissionais que têm acesso às coleções científicas, seria muito conveniente a realização de uma revisão dos acervos em busca de um macho de Arzecla calatia. Seria bem-vinda a produção e disponibilização ao acesso livre de fotografias dos exemplares deste grupo que estão nas coleções, o que é possível até com uso de aparelhos celulares. Isto traria mais transparência para todo este histórico e, não se pode negar, é interesse e direito da sociedade como um todo. E se não for encontrado nenhum exemplar macho de Arzecla calatia, em nenhuma das coleções científicas, teremos um caso no qual uma coleta será realmente necessária. Afinal, é possível que não se trate de uma espécie tão rara quanto se havia pensado inicialmente. Desta forma, caso algum pesquisador autorizado a realizá-la (coleta) venha a ter interesse no caso, pode nos contatar (ver formas de contato abaixo) a fim de que, na eventualidade de reencontro, no âmbito da ciência cidadã, com indivíduos potencialmente esclarecedores do caso, façamos contato imediatamente para realização oficial de uma coleta.
O descritor da espécie Arzecla straelena até hoje foi um dos cientistas profissionais que se mostraram muito gentis e respeitosos diante da ciência cidadã e do trabalho que realizo envolvendo registros de borboletas na natureza. Então, escrevi para ele novamente, agora perguntando com objetividade se há possibilidade do exemplar macho coletado na Colômbia (usado para descrever a espécie Arzecla straelena) ser um macho de Arzecla calatia. Em resposta, nos informou que tudo que ele sabe está no artigo, dados bionômicos e aparência de asas das duas espécies são diferentes. Por fim, solicitou ser informado se encontrarmos algo mais. Foi como procedemos. No momento em que cogitei esta possibilidade de não existência da espécie Arzecla straelena, decidi trazer a público, isto foi despertado pelo artigo recém publicado (link ao final), que foi seguido de uma revisão que fiz em todos os nossos registros do grupo na natureza. O registro do cientista cidadão Roberto Cyrino, me pareceu ainda mais próximo dos de Arzecla calatia que registramos aqui em Curitiba, visualmente parece até "ensaiar" uma marca amarela na região submarginal das asas.
Neste link está a transmissão sobre o caso pelo
Canal da Casa do Biólogo no Youtube. Para mim, a sensação de aproximação com a realidade é muito mais satisfatória do que a de um primeiro registro para o país. E acredito que para o descritor da espécie esta sensação também seja mais satisfatória do que a de descrever uma espécie nova.
Algumas reflexões são interessantes, para finalizar.
- É preciso pensar sobre a influência que a carência de democratização das coleções teria sobre os próprios cientistas profissionais e os resultados de suas pesquisas.
- Parece que precisamos ser ainda mais críticos, talvez a crença nas autoridades precise ganhar uma nova dimensão mais rapidamente, mais leve para todos, afinal, ninguém está livre de errar e os tempos modernos estão a nosso favor para realizar correções com presteza.
- Não podemos deixar de refletir sobre nossas metodologias para reconhecimento de espécies a partir apenas de exemplares coletados, sem conhecimento de biologia e ecologia. Hoje, o padrão é não aceitar uma descrição com base em fotografias de uma espécie de borboleta em vida, teoricamente, nem se houver testemunho de todo o ciclo e seus dimorfismos. Mas é aceita, legitimada por pares e levada a termo, uma descrição feita a partir de um único exemplar coletado.
- Também é tempo de pensar sobre o retorno da ciência cidadã e seu papel de contraponto, além da produção genuína de conhecimento científico que faz. Os números de interessados em conhecer borboletas crescem avassaladoramente ano a ano. Isto impacta a forma como o conhecimento é produzido e revisado. Este caso mostra bem isto. Os resultados e consequências disso, de forma alguma, podem ser diminuídos ou estigmatizados. Seja qual for o desfecho deste caso, ele já é um demonstrativo, sob vários aspectos, de que a ciência cidadã é ciência genuína, digna de respeito, e vai muito além de um entusiasmo popular.
Estas análises foram feitas a partir da aplicação da Técnica da Sobreposição, usando as poucas imagens disponíveis de tipos e dos registros obtidos em campo.
Artigo que descreve Arzecla straelena, confira AQUI Artigo recém-publicado incluindo o registro curitibano de Arzecla straelena, confira AQUI.
Contatos: https://collectory.sibbr.gov.br/collectory/public/show/co364
Agradecimento: a todos os cientistas cidadãos do projeto
LEEB com os quais esta discussão foi iniciada, em especial Tiago Barbosa. Aos registros de Roberto Cyrino, Eloi Prodossimo, Cauã Menezes e Clarice Dorocinski. A Onildo Marini pela paciência de discutir o caso sábado a noite. Ao meu marido Deni Lineu Schwartz Filho, que ouviu sobre este assunto durante dias, participando de cada discussão.
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